Eu nasci em Paim Filho, norte do Rio Grande do Sul, em 1964.
Ano turbulento aquele.
Em 31 de Março os militares assumiam o poder, com o intuito de "restaurar a ordem" num país que mal se acostumara com uma frágil democracia, instalada após a ditadura Vargas. Foram tempos difíceis, com leis rigorosas, restrições, imposições. Minha primeira infância se deu nesse tempo. Eu não entendia o que estava acontecendo na política ou na economia do meu país, mas vivi em um período em que aprendemos o que é disciplina, civismo, amor à pátria, responsabilidade. Aprendi todos os hinos possíveis, que sei cantar fluentemente até hoje...hino nacional, hino riograndense, hino do exército, hino da marinha...tudo ensinado por imposição nas escolas. Aprendi a respeitar horários, aprendi que existem hierarquias a serem respeitadas. E querem saber de uma coisa? Tenho saudade disso e tenho pena das novas gerações, além de muito medo do que ainda está por vir nessa nossa democracia calcada apenas em direitos e permissividades.
Paim Filho havia se emancipado de Machadinho há 2 anos. Era uma pequena vila, que começava a dar os primeiros passos para se organizar como município. Apenas uma pequena parte da Av. João Crisóstomo (que ainda nem nome tinha) contava com calçamento. As outras ruas eram de chão batido. Inclusive a nossa. Morávamos numa casa de madeira bem simples, com poucos cômodos, na metade da rua Passo Fundo, passando a Igreja e indo em direção ao frigorífico que existia na época e que dava nome ao "Bairro do Torresmo". Havia poucas casas , todas construídas em madeira, também muito simples, estilo italiano. Lembro dos vizinhos: as famílias Souza, Marques, Lovatto, Benetti, Mistura, Luppi, Galon... Próximo ao moinho de trigo moravam o meu avô, José Arsego e meu tio-avô Priamo. Cerca de cem metros adiante da nossa casa começava a rua que levava ao Rio Forquilha, onde funcionava a balsa dos Buratto. Na verdade o rio ficava a pouco menos de 500 metros. Por ali às vezes passava o ônibus do Chuí, com destino a Cacique Doble e nos divertíamos quando buzinava forte ao começar a descida rumo ao rio, para avisar os balseiros que estava chegando. No caminho, à esquerda, havia uma rua que levava até a casa do meu tio Pedroni e na esquina o casarão dos Klin. A cantina do Albino Paese (que antigamente fora uma cooperativa de vinhos) ficava à direita dali, mas o acesso se dava pela rua que passava defronte ao moinho de trigo, mais acima. As casas ficavam separadas da rua por um valetão, que tinha sempre água corrente e onde deviam desaguar esgotos das residências. Para atravessá-la as famílias colocavam uma ou duas tábuas fortes, de um lado a outro. Em dias chuvosos, era arriscado pisar ali e não raro se presenciava espetaculares tombos. É uma região de morros. Onde eu morava, no inverno o sol se punha antes das 5 da tarde. Não é difícil imaginar a intensidade das geadas que enfrentávamos nos invernos mais gelados.
Foi nesse cenário que vivi até os 9 anos. Caçando passarinhos com bodoque, pescando lambari com caniço na balsa do Buratto, jogando nica pelas ruas poeirentas de Paim e chutando bolas de borracha nos campinhos de grama sapecados pelas geadas. Inventando brincadeiras e usando os brinquedos que nossa pobreza permitia. Vivendo uma vida simples, inocente, espontânea. Como assim também era a minha querida Paim Filho em seus primórdios como município. Há , mesmo, muito o que contar...
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